sexta-feira, janeiro 29, 2010

Joseph Cornell



Descobri a obra de Joseph Cornell em 1993, quando visitei o Art Institute of Chicago - que é um museu soberbo, dos melhores que já visitei. Não o conhecia, e fiquei fascinado com aquelas caixas com representações de uma realidade estranha e onírica, simultaneamente surrealista e realista. O museu tem uma excelente colecção destas obras, maior do que qualquer outra que vi até hoje, mesmo estando atento a todos os trabalhos deste artista em todos os museus de arte moderna que visitei desde então. Não sei o que me atrai exactamente nestas composições de colagens e pequenas peças, mas gosto imenso delas. Considero Joseph Cornell um dos grandes artistas da arte moderna do século XX.







sábado, janeiro 23, 2010

O Laço Branco (Das weisse Band), de Michael Haneker



Gostei muito deste filme, muito belo e bastante perturbador, de uma forma subtil e insidiosa como um veneno de actuação lenta.

Esteticamente é belíssimo, muito bem filmado, com uma fotografia a preto e branco espantosa, interpretações fabulosas, cenários tão bem recriados que me senti regressar à velha casa dos meus avós; de uma austeridade e contenção essenciais para o impacto emocional da história - o ambiente criado no filme é genial, desde os rostos assustadoramente angelicais das crianças, cuja expressão me lembrou The Village of the Damned até às cenas idílicas da corte feita pelo professor à rapariga.

Quanto a esta, suponho que o comentário inicial do narrador (sobre os acontecimentos narrados poderem explicar em parte o que mais tarde se passou no país) sugere que a tese do filme é explicar as origens do fascismo / nazismo num ambiente de moral restritiva e castrante que cria nos elementos mais indefesos / impotentes (representados pelas crianças) o hábito / necessidade de se vingarem infligindo sofrimento aos mais fracos (a criança do solar, o deficiente) ou de forma dissimulada (a corda esticada, o pássaro assassinado, o incêndio no celeiro). Mas será assim tã linear? A moral protestante era igualmente repressiva e austera noutros países - nos escandinavos, por exemplo - e a moral católica, mais permissiva é certo, mas muito mais hipócrita, reinava com igual vigor nos países do sul da Europa, e em lado nenhum se chegou aos excessos do nazismo. Descarto igualmente a hipótese simplista do nazismo ser a consequência de uma geração particularmente perversa de pessoas (as crianças do filme) no poder. Assim, pondo de lado a explicação alegórica sugerida pelo próprio realizador (e que pode ser a sua), o que fica é o desconforto e a angústia da existência do Mal, o Mal com letra maiúscula, em estado bruto e inexplicável, mas que existe eternamente nas sociedades humanas e que circunstâncias particulares (neste caso, a austeridade moral e clima repressivo) fazem florescer e manifestar-se. Aliás, a mesma impressão fica de outro filme bastante mais fraco mas também interessante do mesmo realizador, Funny Games (só vi a versão americana). É uma questão fundamental e angustiante, porque nos lembra como a existência do Mal é inerente à nossa espécie / sociedade, e não conseguimos perceber porquê. E o filme tem o mérito ainda de intercalar a exposição desse Mal com o que há de bom em nós: o namoro do professor, as cenas do filho do pastor que trata do pássaro ou do filho do médico com a irmã, a revolta honestamente assumida do filho da camponesa morta.

Um filme de facto excelente, que nos impressiona emocionalmente e cujas múltiplas leituras possíveis nos fazem pensar.

segunda-feira, janeiro 18, 2010

Julie & Julia, de Norah Ephron

Julie & Julia é um filme divertido e bem disposto. Trata das virtudes da persistência e da dedicação à procura do atingimento da excelência numa actividade e das consequentes compensações - emocionais e profssionais - mas para mim o assunto que trata que mais me agradou foi a culinária, ou, como o título de um livro referido na história, the joys of cooking. Pessoalmente, descobri the joys of cooking há muitos anos, quando comecei a cozinhar para a minha mulher e uma amiga enquanto elas estudavam para o exame da especialidade, e ainda mais anos mais tarde, quando transformei numa actividade lúdica a interminável tarefa de cozinhar diariamente para os meus filhos. Fi-lo de uma forma parecida com a utilizada por Julie, uma das heroínas do filme: cada dia, os meus filhos e eu escolhíamos uma receita de um livro para o jantar do dia seguinte, depois comprávamos os ingredientes e cozinhávamos a refeição. Percorríamos um a um os livros de receitas arrumados numa bancada da cozinha, cujo número foi aumentado ao longo dos anos, com exemplares da cozinha local comprados em cada cidade ou país que eu visitava ou oferecidos pelos meus amigos. Cedo um dos meus filhos - a Indomitable Crazy Catty - se tornou a minha principal colaboradora, cargo que assume com grande orgulho e alguma arrogância, o que se tornou um laço muito especial entre nós. Por tudo isto, foi um prazer ver este filme em família, revendo-nos no prazer de comer de Julia - particularmente o meu obeso Calvin - e nas aventuras culinárias das protagonistas.

E a exuberante interpretação de Meryl Streep é fantástica, está no seu melhor; inicialmente pareceu-me overacting, que habitualmente detesto, mas rapidamente se percebe que aquela voz, aqueles gestos e entoações, são de Julia Child (cuja existência confesso que desconhecia inteiramente até ouvir falar deste filme), de tal forma que a certa altura esquecemos que estamos a ver Meryl Streep, o que acho que é um dos maiores elogios que se pode fazer a uma actriz (ou actor, claro). Recomendo; e, como diria Julia Child, na sua magnífica pronúncia do Francês: Bon appétit!

sexta-feira, janeiro 15, 2010

Crónica do Pássaro de Corda, de Haruki Murakami

Haruki Murakami é um escritor que está na moda nos últimos anos. Li por acaso há anos um livro dele, que uma amiga me ofereceu, quando ainda não havia nada traduzido em Português, A Wild Sheep Chase, e não gostei muito - gostei da escrita e do ambiente criado, mas achei a história um tanto surrealista de mais e não me tocou especialmente. Anos depois, quando já era muito traduzido em Portugal e incensado, li Norwegian Wood, de que gostei muito, e fiquei com vontade de ler mais alguma coisa dele. Comprei a Crónica do Pássaro de Corda na Primavera passada, para ler nas férias de Verão, que não fiz, de modo que só agora o li, depois de outras férias que me trouxeram livros de autores suecos e checos que me fizeram adiar os livros comprados antes.

O livro é muito bom; tinha grandes expectativas (vários amigos me tinham dito ser o melhor do autor), não fiquei deslumbrado, mas gostei muito. Sempre gostei de histórias bem contadas, em que o acaso e o mistério jogam um papel preponderante, com ou sem elementos de realismo fantástico ( e este tem-nos, tal como o têm autores que aprecio, desde Kafka a Salman Rushdie, passando por García Márquez e Boris Vian ou Italo Calvino), e sem que haja um "significado" didacticamente subjacente, mas antes um fluir da narrativa, cheio de curvas e encruzilhadas, cuja impressão final é mais emocional do que racional. De certa forma, uma questão de "voz" ou de "tom", como outra amiga apreciadora de Murakami me dizia há tempos. É um tipo de scrita cujos ecos se encontram no melhor de Paul Auster e em sucedâneos menores, como o nosso conterrâneo João Tordo. No caso particular deste livro, há muitas pontas que ficam por deslindar, mas não perde por isso - de certa forma é mais um apelo à nossa imaginação.

Finalizando - lerei seguramente mais livos de Murakami.

Cuentos de Mí Mismo, de Miguel de Unamuno

Li este livro para me familiarizar com a língua, e foi uma agradável surpresa. Sem ser excepcional nem me trazer nada de novo, é uma leitura agradável, com alguns contos muito bons, como La locura del Doctor Montarco ou Y va de cuento. O humanismo individualista de Unamuno está longe de ser revolucionário hoje em dia, nem sei se o terá sido na altura, mas é sempre bom de ler.

"... en que muchos sacrifican el alma al nombre, la realidad a la sombra. No, no quiero que mi personalidad, eso que llaman personalidad los literatos, ahogue a mi persona [...] no quiero sacrificarlo a la idea que de mí mismo tengo, a mí mismo convertido en ideal abstracto, a ese yo cerebral que nos esclaviza..."

segunda-feira, janeiro 04, 2010

A Epidemiologia Emocional da Vacinação para a Gripe H1N1 - do New England Journal of Medicine


Um artigo de opinião interessante, nomeadamente porque em Portugal acontece exactamente a mesma coisa... A psicologia do medo das pessoas em relação às doenças é de facto engraçada.

The Emotional Epidemiology of H1N1 Influenza Vaccination
Danielle Ofri, M.D., Ph.D.

Last spring, when 2009 H1N1 influenza first came to our attention, my patients were in a panic. Our clinic was flooded with calls and walk-in patients, all with the
same question: “When will there be a vaccine?”

It was all so new then, and we didn’t have an answer. That lack of answer seemed to fuel anxiety to a fever pitch. A substantial cohort of my patients continued calling,
almost on a weekly basis, to ask about the vaccine. These, of course, were the same
patients who routinely refused the seasonal flu vaccine. Each year we’d go through the same drill: I’d offer them the flu shot. I’d explain the clinical reasoning behind this recommendation. I’d strongly encourage vaccination. “No, thanks,” they’d say. “The vaccine makes me sick.” Or “My brother had a bad reaction.” Or, simply, “I don’t do flu shots.” The irony was painful. No matter how often I trotted out the
statistics of 30,000 to 40,000 annual deaths from influenza, the patients would not be moved. So when they demanded the H1N1 vaccine last spring, I reminded them of their reluctance over the seasonal flu shot. “Oh, that’s different,” they said.
Six months have passed. Flu season is now here. After repeated delays, H1N1 vaccine finally arrived in our clinic earlier this month to the uniform relief of the
medical staff. But my formerly desperate patients were now leery. “It’s not tested,” they said. “Everyone knows there are problems with the vaccine.” “I’m not putting
that in my body.” I was unprepared for this response, but maybe I shouldn’t have been. For weeks now, in the schoolyard of my children’s elementary school, other parents had been sidling up to me, seemingly in need of validation. “You’re not
giving your kids that swine flu shot, are you?” they’d say, their tone nervous, if a bit derisive.

How to explain this dramatic shift in 6 short months? It certainly isn’t related to logic or facts, since few new medical data became available during this period.
It seems to reflect a sort of psychological contagion of myth and suspicion. Just as there are patterns of infection, there seem to be patterns of emotional reaction (“emotional epidemiology”) associated with new illnesses. When 2009 H1N1 influenza
was first detected, it fit a classic pattern that Priscilla Wald recently outlined in her book Contagious1: It was novel and mysterious; it emerged from a teeming third-world city, and it was now making its insidious — and seemingly unstoppable — way toward the “civilized” world. This is the story line for most headline-grabbing illnesses — HIV, Ebola virus, SARS, typhoid. These diseases capture our imagination
and ignite our fears in ways that more prosaic illnesses do not. These dramatic stakes lend themselves quite naturally to thriller books and movies; Dustin Hoffman hasn’t starred in any blockbusters about emphysema or dysentery.
When the inoculum of dramatic illness is first introduced into society, the public psyche rapidly becomes infected. Almost like an IgE-mediated histamine release, there is an immediate flooding of fear, even if the illness — like Ebola — is infinitely less likely to cause death than, say, a run-in with the Second Avenue bus. This immediate fear of the unknown was what had all my patients demanding the as-yet-unproduced H1N1 vaccine last spring. As the novel disease establishes itself within society, a certain amount of emotional tolerance is created. H1N1 infection waxed and waned over the summer, and my patients grew less anxious. There was, of course, no medical basis for this decreased vigilance. Unusual risk groups and atypical seasonality should, in fact, have raised concern. By late summer, the perceived mysteriousness of H1N1 had receded, and the number of messages on my clinic
phone followed suit.

But emotional epidemiology does not remain static. As autumn rolled around, I sensed a peeved expectation from my patients that this swine flu problem should have been solved already. The fact that it wasn’t “solved,” that the medical profession seemed somehow to be dithering, created an uneasy void. Not knowing whether to succumb to panic or to indifference, patients instead grew suspicious. No amount of rational explanation — about the natural variety of influenza strains, about the simple issue of outbreak timing that necessitated a separate H1N1 vaccine — could allay this wariness. Similarly, reassuring fellow parents that I was indeed vaccinating my own children did little to ease their apprehension. When the New York City public school system offered free vaccinations for both students and families, there was an abysmally poor turnout. Less than one quarter of the consent forms sent home in kids’ backpacks were returned.

The dramatic shift in public sentiment over the course of this H1N1 epidemic is both fascinating and frustrating. It is clear that there is a distinct emotional epidemiology and that it bears only a faint connection to the actual disease epidemiology of the virus. We cannot combat H1N1 influenza merely by ensuring adequate supplies of vaccine and oseltamivir. Unless the medical profession confronts the emotional epidemiology of H1N1 with a full-court press, we run the risk
of an uncontrollable epidemic.

There is no doubt that we are far behind the curve in terms of public relations. Our science has not been dithering at all, but our articulation of that science has often seemed that way, from the unfortunate initial appellation of swine flu to our inability to clarify distinctions between vaccineproduction issues and clinical-risk
issues. Suspicion has its own contagion, and we have not been aggressive enough in countering it.

Every practicing clinician is, to some degree, an armchair epidemiologist. We register patterns of disease as they play out among our patients. We are also keen detectives of emotional epidemiology, though we often aren’t aware of this as such. Keeping tabs on the emotional epidemiology as well as the disease epidemiology,
and treating both with equal urgency, are the essential clinical tools for this influenza season.

domingo, janeiro 03, 2010