domingo, dezembro 28, 2008

A Feiticeira de Florença, de Salman Rushdie

Quando, há cerca de 20 anos, li Os Filhos da Meia-Noite, foi amor à primeira vista; durante anos esperava ansiosamente cada novo livro de Salman Rushdie e, embora gostasse mais de uns do que de outros, senti as minhas expectativas geralmente satisfeitas, até O Chão Que Ela Pisa me ter parecido muito desinteressante. Depois desse, não gostei de Fúria, e Shalimar o Palhaço , recuperando algum vigor, estava muito longe de Rushdie no seu melhor. Assim, foi com um misto de curiosidade e de receio que comecei a ler A Feiticeira de Florença – seria o regresso do meu encantamento por Rushdie ou mais um desencanto? Termos tanto mais apropriados num livro cujo título original é The Enchantress of Florence, e cuja narrativa é feita à moda dos antigos contos das Mil e Uma Noites, desenvolvendo-se lentamente a partir de belas frases repletas de pormenores evocando luz, cor, sensações, riquezas e belezas fabulosas de uma Índia Mogol e de uma Florença renascentista não menos maravilhosa.

Como nos contos das Mil e Uma Noites, que frequentemente começam insidiosamente e de súbito nos mergulham num turbilhão de peripécias, fui lendo capítulo após capítulo à espera desse momento de encantamento. Quando dei por mim a preferir pegar num número de uma revista médica (que nem sequer era o meu bem-amado New England Journal of Medicine!) em vez de no romance de Salman Rushdie, e reparei que este já ia a mais de um terço, resignei-me à ideia de que esse momento não chegaria – como não chegou.

Não é o que o livro seja mau, é simplesmente médio, e um bocado maçador. Os livros de Salman Rushdie utilizam geralmente uma história para expor / criticar uma situação – a Índia dos anos 60-70 em Os Filhos da Meia-Noite, o Paquistão em Vergonha, o fundamentalismo islâmico e o Irão em Os Versículos Satânicos e Harun e o Mar de Histórias, a Caxemira e o novo terrorismo em Shalimar, por exemplo. Mas havia sempre duas características: a história e as personagens eram interessantes e fortes por si próprias, sem um didactismo óbvio, e havia sempre algo de orgânico, visceral, no tom da sua escrita, mesmo em livros de que gostei pouco com Fúria ou O Chão Que Ela Pisa. Neste A Feiticeira de Florença, a história é chocha, as personagens quase todas simultaneamente caricaturais e vagas, os “toques” de "realismo fantástico" parecem pinceladas aqui e ali para dar “pitoresco”, e a sensação geral com que se fica é de aborrecimento. É certo que a intenção de fundo é “boa”, no sentido em que as ideias sobre a tolerância e a religião expressas pela personagem de Akbar são dignas de ser expostas e defendidas (como nestas passagens: "Se nunca tivesse havido um Deus, pensou o imperador, poderia ser mais fácil entender o que era o bem. Esta questão do culto, da renúncia a si próprio peranto o Todo-Poderoso, era uma distracção, uma falsa pista. Onde quer que o bem estivesse, não era na obediência ritual, irracional, perante uma divindade, mas sim, talvez, na descoberta lenta, desajeitada e juncada de erros de um caminho individual ou colectivo." ou "O futuro não seria aquilo que ele esperara, mas sim um lugar seco, hostil, antagonista, onde as pessoas sobreviveriam o melhor que podiam, odiariam os vizinhos, esmagariam os seus lugares de culto e voltariam a matar-se umas às outras no renovado calor da grande disputa a que ele procurara pôr termo para sempre, a disputa acerca de Deus. No futuro era a aridez, e não a civilização, que reinaria."), mas sabe francamente a pouco. Ainda tenho de esperar mais uns anos para voltar a ser “agarrado” por um livro de Rushdie.

sábado, dezembro 13, 2008

Separation




Your absence has gone through me
Like thread through a needle.
Everything I do is stitched with its color.


(Um poema que me tocou particularmente, conciso e elegante como um haiku. Não conhecia William S. Merwin, o autor, descobri-o no site Poem of the Week. Lindo.)

segunda-feira, dezembro 08, 2008

Paul of Dune, de Brian Herbert e Kevin J. Anderson

Descobri o universo de Dune relativamente tarde, quando o meu entusiasmo juvenil pela ficção científica estava já em declínio. Mais exactamente, foi através do filme de David Lynch, que vi salvo erro num ciclo de cinema da Gulbenkian, em 1984 ou 1985. Gostei da história e do ambiente do filme, de modo que depois li o livro; talvez porque o li depois de ver o filme, acho este uma adaptação muito boa, e sempre fiquei a imaginar o universo e as personagens de Dune com as imagens do filme - os cenários, os vermes, as indumentárias Fremen; e as personagens de Paul, Jessica, Gaius Helen Mohiam ou Irulan sempre terão na minha cabeça os rostos de Kyle MacLachlan, Francesca Annis, Sian Phillips e Virginia Madsen. Como gosto sempre de conhecer o seguimento das histórias que aprecio, fui encomendando e lendo nos anos seguintes os outros livros da saga - estupidamente esqueci-me do último, que nunca cheguei a ler (também sinal de que o interesse foi esmorecendo).

Há algumas semanas - muitos anos depois de ter lido Heretics of Dune, o último volume da série que li - quando, tomado por um apetite de ficção, fui à Fnac comprar livros, deparei na prateleira dos paperbacks em língua inglesa com este Paul of Dune, um dos vários livros acrescentados à série pelo filho de Frank Herbert com a colaboração de Kevin J. Anderson (este último, pelo que percebi, escreve livros baseados em outras séries, como a de Star Wars); tive curiosidade de mergulhar novamente no universo de Dune e nas aventuras de Paul Atreides e comprei-o.

Não fiquei decepcionado; é um livro de aventuras bem estruturado, que segue fielmente o universo criado por Frank Herbert. O meu interesse pela série tinha esmorecido em grande parte porque achei - e ainda acho - que a certa altura o autor complicara demasiado as histórias e começara a repetir-se de alguma forma, levando-se demasiado a sério, ou seja, sendo demasiado ambicioso no simbolismo e grandiosidade, ultrapassando largamente a sua capacidade (lembro-me de pensar, quando lia Heretics of Dune: "mas será que estas personagens não conseguem falar ou pensar sem ser como se estivessem a citar Shakespeare ou tratados de Filosofia?"). Isso não diminui, no entanto, a excelência do primeiro livro, Dune, nem o mérito de ter criado um verdadeiro universo ficcional de imensa riqueza, desde a ecologia à linguística; como li algures, F. Herbert está para a ficção científica como Tolkien para a fantasia.

Acho que ainda vou colmatar o meu esquecimento de Chapterhouse: Dune e talvez ler outros acrescentos de Brian Herbert e Kevin Anderson, que isto de leituras, como dizia alguém que me era muito próximo, não é só ler Kafka!

domingo, dezembro 07, 2008

Copenhaga



Há férias que nos deixam uma impressão particularmente forte de felicidade, por vezes sem nenhuma razão especial. Esta curta viagem a Copenhaga foi uma delas; apesar de se tratar de um sítio completamente diferente, senti-me tão feliz como na luminosa Granada. Penso que foi uma conjuntura de diversos factores particularmente afortunada - a cidade muito bonita na suave luz outonal, o frio cortante mas limpo e revigorante, o ambiente civilizado e acolhedor, a companhia (claro!)...

Nunca tinha estado em nenhum país escandinavo, e foi uma agradável surpresa. Esperava talvez que tudo fosse demasiado arranjadinho, mas o que me ficou foi uma impressão de civilização no seu melhor sentido e de grande qualidade de vida, uma população socialmente muito homogénea, um sítio onde deve ser agradável viver, mesmo com o frio e a falta de luz no Inverno.

Gostei da arquitectura sóbria mas colorida, dos velhos edifícios em tijolo vermelho, dos barcos ao longo dos cais, das esplanadas com mantas para aquecer as pernas, das bancas com os enfeites de Natal, do cheiro a amêndoas torradas e a especiarias, das velas por todo o lado (não admira que tenha havido tantos incêndios em Copenhaga ao longo dos séculos...), dos campanários das igrejas, da combinação de linhas e cores dos telhados vermelhor, pretos e verdes vistos do cimo da Rundtärn. A língua é feia e difícil de compreender, mas a palavra hygge vai sempre ficar-me na memória como traduzindo um conceito muito especial que senti durante a estadia.

Até me soube bem ir ao Tivoli - eu, que sempre detestei parques de diversões - pela beleza das iluminações e das bancas de Natal. Um passeio a Christiania deprimiu-me - um ar tão decadente, desleixado e desconfortável; que estranhas são as pessoas que vivem numa cidade tão agradável e criam voluntariamente para si uma espécie de bairro da lata. E provavelmente quando estiverem doentes ou verdadeiramente indigentes, saem de lá e beneficiam dos sistemas sociais "burgueses". Ainda fui uma tarde a Malmö, um passeio prejudicado pela chuva - a Suécia foi-me menos hospitaleira - e gostei bastante menos do que de Copenhaga, embora também tivesse umas belas praças. De qualquer forma, fiquei com vontade de visitar Estocolmo e a Noruega.

Pois é, viajar é um dos maiores prazeres da vida, e permite-nos a experiência de passar de sítios como Marraquexe para outros como Copenhaga.