quinta-feira, julho 31, 2008

Curta observação sobre o estado da imprensa

Transcrevo de seguida uma passagem do livro de Timothy Garton Ash, Free World, que se refere ao desgosto do autor com a imprensa em geral e a britânica em particular, porque exprime exactamente o que eu penso, nomeadamente a respeito da portuguesa.

"Mas também precisamos de uma revolta dos jornalistas. Afinal, são os jornalistas, e não os proprietários, quem efectivamente escreve e edita os jornais. Algumas das pessoas mais inteligentes, com melhor educação e mais empreendedoras da Grã-Bretanha enveredam pela carreira do jornalismo. Escrevem de modo rigoroso, sério e brilhante nos jornais semanários, em livros e em revistas americanas. [...] Porque não podemos restaurar nos jornais diários britânicos a nossa grande tradição de relato rigoroso, vivo e imparcial de notícias? Talvez ficássemos supreendidos com o número de leitores que adeririam a um jornal assim."

Pois é, eu também acho que haveria gente que gostaria de ler boa imprensa, e que de bom grado a pagaria, em vez dos verdadeiros tablóides em que os nossos jornais supostamente sérios se transformaram. Não haverá quem comece? Nem que fosse como um projecto na internet, que se expandiria posteriormente conforme a resposta?

domingo, julho 13, 2008

A Brief History of Neoliberalism, de David Harvey

Um livro muito esclarecedor, que mostra como alguma ideia que é repetida e propagada até à exaustão acaba por ser tomada como uma verdade ou uma inevitabilidade. Com efeito, é esse o caso da ideologfia do neoliberalismo - desde os anos 80 tem sido exaustivamente repetido que "não há outra solução", e as pessoas acabaram por acreditar e aceitar dessa forma uma prática cujos resultacdos estão longe de ser os que são publicitados - a melhoria da economia com a consequente melhoria do nível de vida para a generalidade das pessoas - mas que tem antes favorecido uma minoria que tem enriquecido progressiva e escandalosamente à custa de uma diminuição de uma série de regalias e direitos que o tão denegrido "Estado-providência" conferira às populações da Europa e que nos proporcionou algumas décadas de um bem-estar inédito até ao século XX.

E como é que o mundo ocidental tem sido progressivamente convencido desta "verdade científica"? Através de uma verdadeira lavagem ao cérebro realizada pelos media, cada vez menos imparciais e mais manipulados, por uma classe enriquecida que se apoderou das posições políticas chave, e que assim pretende - e consegue - perpetuar os seus ganhos. Citando o livro de Harvey (tradução minha): "Porque é que, então, há tanta gente persuadida de que a neoliberalização por meio da globalização é 'a única alternativa' e que tem sido tão bem sucedida? (o autor acabara de comparar dados da Suécia e da Grã-Bretanha, como exemplos de dois países menos e mais rendidos ao neoliberalismo, respectivamente, comparação muito favorável à Suécia) Destacam-se duas razões. Em primeiro lugar, a volatilidade de desenvolvimentos geograficamente desiguais acelerou, permitindo o avanço espectacular de certos territórios (pelo menos por algum tempo) em detrimento de outros. [...] Em segundo lugar, a neoliberalização, o processo mais do que a teoria, tem sido um enorme sucesso do ponto de vista das classes superiores. [...] Com os media dominados pelos interesses destas classes, pode propagar-se o mito de que os estados falham economicamente porque não são competitivos (criando assim a necessidade de ainda mais reformas neoliberais). [...] Se as condições das classes inferiores se deterioram é porque não conseguem(por dedicação à educação, a aquisição de uma ética de trabalho protestante, submissão à disciplina e flexibilidade no emprego, etc). Problemas particulares surgem, em resumo, por falta de força competitiva ou por derrotas pessoais, culturais e políticas. Ou seja, num mundo de Darwinismo neoliberal, apenas os mais aptos devem e conseguem sobreviver."

Entristece-me que a maioria das pessoas se deixa cair nesta armadilha e não pense pelas suas cabeças. Porque acho que essa maioria acredita que valores como a justiça, a segurança, a educação e a saúde, e a regulação do trabalho, são demaisado fundamentais e parte integrante da dignidade humana para serem negociados como televisores, roupas ou chouriços. E que o neoliberalismo não é mais do que uma entre várias teorias económicas, que actualmente está em voga, como outras estiveram mais ou menos tempo e com maior ou menor sucesso. E que é demasiado perigoso arriscar a perda de direitos que de facto e inquestionavelmente melhoraram a nossa qualidade de vida em nome de uma teoria muito propalada mas que, se examinada com algum espírito crítico, nomeadamente na sua prática e nos seus resultados até agora, revela que está muito longe de ser o que apregoa.

quarta-feira, julho 09, 2008

The Common Reader (second series), de Virginia Woolf

Depois de ter lido com imenso prazer o primeiro The Common Reader, este segundo volume foi um tanto decepcionante. Muito menos interessante, em grande parte porque a maior parte dos ensaios diz respeito a escritores que só conheço de nome, como Meredith, Dorothy Wordsworth, Donne, etc. À excepção do último texto (How Should One Read a Book?), não há aquilo a que hoje chamaríamos artigos de opinião, embora ao longo dos diferentes ensaios, como habitualmente, Virginia Woolf vá apresentando os seus pontos de vista. Resta no entanto a extrema elegância da sua escrita, como sempre, e algumas afirmações e opiniões que vale sempre a pena ler e difundir. Virginia Woolf amava verdadeiramente os livros e a leitura, um traço curioso e pouco comum era o seu gosto em vasculhar livros e autores menores ou caídos no esquecimento, aquilo a que chamava "o cesto de papéis da Literatura", e que por vezes fornece pormenores tão esclarecedores e interessantes. Passo a citar alguns exemplos (mais uma vez, não me atrevo a traduzir Virginia Woolf):

(Depois de referir o conhecimento da vida e pensamento do escritor e a sua influência sobre a leitura da obra): "For the book itself remains. However we may wind and wriggle, loiter and dally in our approach to books, a lonely battle waits us at the end. There is a piece of business to be transacted between writer and reader before any dealings are possible [...] All alone we must climb upon the novelist's shoulders and gaze through his eyes..."

(Ou, mais tarde no mesmo ensaio - sobre Robinson Crusoe): "In masterpieces - books, that is, where the vision is clear and order has been achieved - he inflicts his own perspective upon us so severely that as often as not we suffer agonies - our vanity is injured because our own order is upset; we are afraid because the old supports are being wrenched from us; and we are bored - for what pleasure or amusement can be plucked from a brand new idea? Yet from anger, fear, and boredom a rare and lasting delight is sometimes born." - Que esplêndida forma de exprimir o impacto que um livro - dos que nos tocam como obras-primas - tem sobre nós!

(E no ensaio final): "The only advice, indeed, that one person can give another about reading is to take no advice, to follow your own instincts, to use your own reason, to come to your own conclusions."

E que melhor forma de terminar, testemunho de uma leitora apaixonada apreciado por qualquer leitor apaixonado? "Yet who reads to bring about an end, however desirable? Are there not some pursuits that we practise because they are good in themselves, and some pleasures that are final? And is not this among them? I have sometimes dreamt, at least, that when the Day of Judgment dawns and the great conquerors and lawyers and statesmen come to receive their rewards - their crowns, their laurels, their names carved indelibly upon imperishable marble - the Almighty will turn to Peter and will say, not without a certain envy when he sees us coming with our books under our arms, 'Look, these need no reward. We have nothing to give them here. They have loved reading.'"