quarta-feira, abril 30, 2008

Córdova


Menos deslumbrante que Granada, mas também magnífica - o labirinto de ruas estreitas e brancas, os pátios alegres e coloridos, e a fabulosa mesquita, que é verdadeira e esmagadoramente mágica, com a floresta de colunas na penumbra, o espaço dividido e multiplicado ao infinito pelas arcadas, o implante da catedral gótica, numa estranha e bela fusão de estilos mourisco, mudéjar e gótico. A dimensão da mesquita é impressionante, por muito que soubesse já que era enorme é completamente diferente vê-la e senti-la ao vivo.

E a comida andaluza, uma delícia para os sentidos! Vale mesmo a pena viajar, e mais uma vez senti o efeito regenerador de passear em boa companhia; acho que são os momentos em que me sinto mais vivo e completo.



Granada, ou dias felizes



Sinto-me revigorado, depois de uma curta viagem à Andaluzia - Granada e Córdova. Granada foi uma revelação. Clara e luminosa, o casario branco, as ruelas e as pequenas praças do Albaicín, com vista sobre o Alhambra e os picos da Sierra Nevada; senti-me literalmente a pairar. A visita do Alhambra é uma experiência inesquecível - as vistas espectaculares sobre o Albaicín e o resto da cidade, as intrincadas decorações das paredes e tectos dos palácios Nasri, as arcadas, os tanques, os jardins do Generalife, com o constante murmúrio da água a correr. Que prazer percorrer as ruas estreitas do Albaicín, parar numa esplanada para beber uma cerveja ou comer um gelado, descobrir os panoramas sobre a Sierra Nevada, descansar no miradouro de San Nicolás cheio de jovens "yonkies" que abundam na cidade!





sábado, abril 19, 2008

A depuralina - um caso típico

Há dias, na minha consulta, um homem que é meu doente há já uns 10 anos, tipo de uns 60 anos, bastante reivindicativo e chico-esperto qb, disse-me logo de início, num tom meio apreensivo meio irritado: "Ó doutor, as minhas análises estão pior, e acho que sei porque é, é que eu tomei duas caixas dessa depuralina!" Tanto quanto eu sei, a toma da depuralina não teria agravado as análises em causa, mas aproveitei a ocasião para ser didáctico e dizer coisas do género: "Pois, não sei se terá sido por causa disso, mas é por essas e por outras que nós sempre dizemos para não tomarem coisas que não sabemos exactamente o que são nem o que fazem...", "Mas diziam que fazia bem, toda a gente andava a comprar!", "Bem, de certeza que não foi nenhum dos seus vários médicos que lhe disse... Por isso é que sempre lhe digo para não tomar nada, nem outros medicamentos, sem antes perguntar a um médico.", "Ah, mas ainda tenho lá duas caixas, sempre quero ver se sou ressarcido do que paguei, que aquilo ainda custa 27 euros!", "Vê? Ainda por cima é caro!". No final da consulta, enquanto passava as receitas, diz ele: "Estes medicamentos são uma pipa de dinheiro, doutor, isto é uma vergonha o que a gente tem de pagar!", não pude deixar de responder: "Bem, pelos vistos ainda lhe sobra bastante, porque foi comprar a depuralina, que é mais cara do que todos estes juntos e nem tem comparticipação!", ao que se limitou a dizer: "Pois, bem..."

O que é lamentável é que esta é uma atitude extremamente frequente - as pessoas queixam-se do sistema de saúde e dos médicos, mas acreditam com a maior das ingenuidades em inúmeras banhas da cobra, em geral inofensivas mas por vezes perigosas e sempre inúteis.

quarta-feira, abril 16, 2008

Uma História de Violência, de David Cronenberg


É um filme violento e perturbador, por mostrar como a violência se infiltra insidiosamente nas personagens, transformando-as de forma imprevisível. O final deixa a pergunta no ar: será que alguma vez vão poder retomar as suas vidas como antes?

terça-feira, abril 15, 2008

Censurado, de Brian de Palma

Redacted é, entre os recentes filmes que vi sobre a guerra do Iraque, talvez o mais efectivo. Directa e violentamente contra a guerra, não usa metáforas moralistas nem assume uma postura didáctica; no entanto, através de uma história contada aparentemente de modo linear e sem enfeites, toca uma série de pontos importantes de uma forma muito inteligente, nomeadamente:

- o risco inevitável de um exército profissionalizado, ded voluntários, incorporar um número importante de indivíduos violentos e desajustados, mal inseridos na sociedade, risco tanto maior quanto durante uma guerra os critérios de recrutamento são forçosamente pouco exigentes;

- o tédio e a tensão a que estão sujeitas as forças de um exército de ocupação;

- as barbaridades que pessoas de pouca moralidade e colocadas numa posição de poder são capazes de fazer;

- a importância da tecnologia nesta guerra - os equipamentos dos soldados, as tecnologias de informação (a net, as fotografias e filmes feitos com telemóveis ou câmaras de bolso, a utilização da propaganda na net pelas forças de resistência e terroristas);

- a inércia / medo do "homem comum" que o leva tantas vezes a consentir em barbaridades que teoricamente nunca permitiria.

Enfim, uma agradável surpresa depois da desilusão do didactismo e moralismo de In the Valley of Ellah .

segunda-feira, abril 14, 2008

Control, de Anton Corbijn


Muito bom, este biopic de Ian Curtis. A história está bem contada, nota-se grande afecto pelas personagens, os actores excelentes - Sam Riley é incrivelmente parecido com Curtis e canta bem, apesar da voz ser menos profunda e forte - e a fotografia a preto e branco muito bela, criando uma atmosfera poética e nostálgica bem apropriada à música dos Joy Division, que vai aliás pontuando o filme e sublinhando as emoções de forma muito bem conseguida. Centenas de fotogramas do filme dariam fotografias excelentes. Só achei que faltava mostrar melhor o processo de criação musical; não se vê a banda a formar-se, a trabalhar, as músicas a nascer, o que é algo que, provavelmente por ser um processo que me é completamente estranho, me interessaria muito.

Lembro-me bem do suicídio de Ian Curtis, embora na altura a música dos Joy Division não me dissesse muito - conhecia os temas que se ouviam na rádio e nada mais. Só anos depois os ouvi com mais atenção, e a beleza e força da sua música entranhou-se em mim. Gosto cada vez mais e ouço-a frequentemente. Como não comprei os discos na época, quando quis comprá-los, já nos tempos do cd, encontrei apenas uma colectânea, Permanent, que é a que sempre ouço. Pouco purista, eu sei, mas a maior parte dos temas estão lá, e um dia hei-de colmatar esta falha comprando os cds originais - o que aliás me dará o prazer de descobrir temas que para mim serão novos.

E as cenas finais do filme são belíssimas, com o tema dos Joy Division que eu mais gosto, Atmosphere.

Walk in silence,
Dont walk away, in silence.
See the danger,
Always danger,
Endless talking,
Life rebuilding,
Dont walk away.

Walk in silence,
Dont turn away, in silence.
Your confusion,
My illusion,
Worn like a mask of self-hate,
Confronts and then dies.
Dont walk away.

People like you find it easy,
Naked to see,
Walking on air.
Hunting by the rivers,
Through the streets,
Every corner abandoned too soon,
Set down with due care.
Dont walk away in silence,
Dont walk away.


domingo, abril 13, 2008

Stumbling on Happiness, de Daniel Gilbert

Este livro foi uma óptima surpresa. O título induziu-me em erro, pensei que fosse sobre como encontrar a felicidade por acaso, mas o "tropeçar" não é na felicidade, mas antes no caminho da felicidade, ou nas tentativas de ser feliz. E é uma excelente descrição dos múltiplos mecanismos que utilizamos para nos enganarmos, e dos motivos pelos quais nos enganamos nas nossas predições. De leitura muito fácil e agradável, sempre bem humorado, mas extremamente bem documentado, não cai na armadilha em que tão frequentemente "tropeçam" os livros sobre este tema de nos pretender apresentar "soluções" e "vias de 9 passos" para resolver os nossos problemas e encontrar a felicidade. Ajuda-nos antes a compreender porque nos enganamos tantas vezes, e nesse aspecto acho que contribui para sermos mais felizes, pois acredito que conhecermo-nos a nós e ao nosso funcionamento nos ajuda a aceitarmo-nos, a sermos mais indulgentes com o nosso passado e mais optimistas em relação ao nosso futuro. Um livro muito bom, cuja leitura aconselho vivamente a todos os que gostem de se conhecer e de saber como funciona essa entidade tão complexa e puzzling que é o nosso cérebro.

sexta-feira, abril 11, 2008

Flags in the Dust, de William Faulkner

Só há poucos anos descobri a existência deste livro, a versão original que depois de muitos cortes foi publicada como Sartoris. Não esperava que fosse muito diferente deste, mas é infinitamente melhor. A prosa é de uma poesia e beleza fantásticas, repassada de uma nostalgia e amor pela terra e pelas personagens, barroca de metáforas, de uma melancolia forte e tocante. Para quem goste de Faulkner, como eu, não há nada de supérfluo nesta versão! Mas imagino que seria difícil ser aceite para primeiro livro de um autor então desconhecido. Saboreei-o lentamente, cada página. Muito, muito belo.

Persepolis, de Marjane Satrapi e Vincent Paronnaud


Gostei imenso de Persepolis, o filme de animação autobiográfico de Marjane Satrapi sobre a sua infância e juventude em Teerão no tempo da revolução dos ayatollahs. Divertido e comovente, com algumas partes hilariantes - sobretudo as passadas em Viena - sem nunca ser piegas. A evolução do ambiente pós-revolução está muito bem contada, vive-se o clima de euforia inicial (tão parecido com aquele por que passámos em Portugal no pós-25 de Abril), depois o regresso da opressão, o crescer do obscurantismo, a mediocridade e a intolerância a dominarem. Graficamente muito bom, com desenhos extremamente expressivos, e com as histórias que contam à rapariguinha desenhadas ao estilo dos contos das Mil e Uma Noites.

O que é deprimente é pensar que aquelas pessoas passaram e passam mesmo por tudo aquilo, que é assim que se vive no Irão desde 1980, e sem esperança de mudar tão cedo.

domingo, abril 06, 2008

Resoluções de Primavera


Sempre achei o começo da Primavera muito mais adequado a tomar resoluções do que o Ano Novo. Ao fim e ao cabo, com o regresso do bom tempo, dos dias mais longos, sentimos muito mais energia e vontade de mudar. Por isso estou a tomar algumas decisões na minha vida, tentando melhorá-la. Há anos que vivo caindo e levantando-me de novo, e sei que os altos e baixos mais determinantes são os da minha disposição, mais do que os acontecimentos propriamente ditos. Gosto de pensar que a minha maturidade tem aumentado, mas muitas vezes interrogo-me: será que tem mesmo? Olhando para trás, acho que sim, mas há ainda tanto que melhorar. O que de certa forma é positivo, por me proporcionar objectivos na vida.

Ainda há alguns dias, conversando com uma das minhas melhores amigas, surgiu o tema de qual a idade em que gostaríamos de nos fixar, se pudéssemos escolher. Curiosamente, ambos escolhemos a mesma: 36 anos. Por coincidência, no dia seguinte li isto: "I have now passed the mezzo del cammin di nostra vita, and am rather surprised to find that existence continues to be highly interesting in spite of that fact. I used to think in early youth that one's development would come to an end in one's thirties - but I don't find it so - on the contrary. One seems, as one goes on, to acquire a more complete grasp of life - of what one wants and what one can get - and of the materials of one's work, which gives a greater sense of security and power. I think I can see now where my path lies, and I feel fairly confident that, with decent luck and if my health can go on keeping its head above water, I ought to be able to get somewhere worth getting to." São palavras de Lytton Strachey, numa carta, a propósito precisamente do seu 36º aniversário. Concordo inteiramente, e acho que até as aplico em relação a idades mais avançadas que os 36 anos - sinto aliás que estou bem mais sensato do que nessa época, apesar de já ter então uma quantidade razoável de bom senso, que lamento infinitamente não ter tido aos 28 ou aos 30. E nessa idade ainda não tinha dores nas costas nem no pescoço...

Mas, voltando às minhas resoluções de Primavera, uma delas foi voltar a fazer algum exercício físico, actividade que iniciei e cessei ciclicamente ao longo dos anos até há cerca de 3 ou 4 anos, quando achei que era melhor desistir de vez - a inércia, a inércia! Mas, como me lembro de comentar com um primo quando tinha 12 anos: "sozinho custa-me fazer seja o que for, enquanto acompanhado era capaz de ir ao fim do mundo", acho que nesse aspecto não me tornei muito mais maduro - embora hoje aprecie muito mais fazer coisas sozinho, incluindo ir, se não ao fim do mundo, pelo menos ao outro lado do oceano sozinho - e foi graças à boa companhia do meu melhor amigo que consegui vencer a dita inércia e inscrever-me num ginásio. E estou a apreciar, acho que me vai fazer muito bem - além das endorfinas, o tempo passado em boa companhia a desanuviar a mente!

Brindemos, portanto, à Primavera e às boas resoluções.