domingo, março 30, 2008

Três bons exemplos de film noir

Vi estes filmes recentemente, e têm em comum o pertencerem ao bom velho género do film noir. Mulheres fatais, ambientes sombrios, anti-heróis condenados, os bons sentimentos como uma fatalidade redimindo as más acções, etc. Estes elementos tornaram-se clichés do género, mas vendo filmes como estes percebe-se porque nos continuam a atrair e a emocionar.


Lust, Caution, de Ang Lee; belo e sombrio, muito bem filmado, bem interpretado, uma história de fatalidade e inocência perdida, e a presença extraordinária de Tang Wei, a jovem actriz principal.


Eastern Promises, de David Cronenberg; igualmente sombrio, com grandes interpretações de Viggo Mortensen e de Naomi Watts, com algumas cenas de grande violência explícita (o que não admira muito em Cronenberg), e novamente a fatalidade, os vilões simpáticos, a humanidade onde menos se espera.


Finalmente, um clássico: Double Indemnity, de Billy Wilder. Um clássico é isso mesmo - não perde interesse ao ser visto em 2008 tendo estreado em 1944. Uma história excelente, algumas cenas memoráveis e uma Barbara Stanwick o mais femme fatale que se consegue ser.

sábado, março 29, 2008

Curta escapada - e sabe TÃO bem!


Finalmente, depois de uma tentativa abortada por acidente, ordálios com seguros, etc, lá consegui passar mais uns dias longe de casa. Dias de descanso puro, físico e mental, passados a comer, dormir, ler, conversar e passear. Apesar do tempo não estar excepcional, o vale do Zêzere estava muito bonito, a comida excelente, a companhia melhor ainda. Já estou a ansiar pela próxima!


domingo, março 09, 2008

Point to Point Navigation, de Gore Vidal


Point to Point Navigation é claramente uma obra de despedida, que transmite a sensação da velhice e da proximidade da morte quase em cada página. Bem escrito, irónico e witty como sempre, cada vez mais desencantado com os Estados Unidos, vaidoso e seguro de si (certamente muitos o consideram arrogante, e é-o, de uma forma que não considero um defeito); este livro não apresenta praticamente nada de novo em relação ao anterior livro de memórias, Palimpsest, que saboreei deliciadamente em 1996, numas férias em Roma, a não ser as várias elegias a amigos mortos, sobretudo ao companheiro de muitos anos, Howard Auster. É sempre um prazer ler Gore Vidal, mesmo quando é melancólico e amargo, ou quando não se concorda totalmente com ele, e é uma pena sentir que em breve deixará de escrever. A sua postura é de certa forma a de alguém convicto de que já viu, viveu e pensou a maior parte do que lhe interessava ver, viver e pensar, e formou as suas opiniões e está certo de ter razão - daí a sensação de excessiva segurança / arrogância. Mas a verdade é que tem de facto razão em muitas coisas, e que sempre viveu e se exprimiu com coerência e coragem, mesmo que nem sempre se concorde com o que diz ou as posições que toma. É uma espécie rara - o americano de classe alta pensante. E gosto dos seus livros, do seu humor, do seu amor pela História.

Virginia Woolf, de Hermione Lee


Li recentemente a biografia de Virginia Woolf por Hermione Lee, que achei excelente. Não só é extensa e bem documentada, como sobretudo está muito bem escrita e a autora tentou transmitir a pessoa de Virginia Woolf tanto quanto possível como se fosse ela própria a exprimir-se, ou os seus próximos a descrevê-la, utilizando constantemente as palavras da escritora (dos livros, contos, ensaios, diários, cartas, socorrendo-se do extenso material existente) ou dos seus amigos e conhecidos. A tarefa de ligar todos estes testemunhos numa trama coerente e agradável de ler, interpretando-os e organizando o livro numa cronologia não excessivamente rígida mas rigorosa e documentada, não foi certamente fácil mas está muito bem conseguida. Não é uma biografia muito mais detalhada do que a de Quentin Bell, que li há muitos anos e que é igualmente muito boa e muito bem escrita, e por vezes enferma de um defeito muito comum às biografias, que é o de querer dar a todos os pormenores (sobretudo da infância) um significado posterior provavelmente maior e certamente muitas vezes diferente do que na realidade tiveram - fico sempre com a sensação de que este ou aquele pormenor foi isso mesmo, um pormenor, a que não se ligaria importância se não se estivesse a escrever uma biografia.

Mas aparte a qualidade técnica da biografia, que é de resto um género literário que cada vez aprecio mais, tal como memórias e ensaios, o maior prazer da leitura deveu-se à própria Virginia Woolf, às suas palavras, às suas ideias, à sua vida. Quanto mais passa o tempo, mais me sinto identificado com ela e parte do grupo de Bloomsbury - a sua curiosidade, os seus dilemas, a sua franqueza, o humor, a ironia, as contradições, as fraquezas, a maledicência, o amor das ideias e da conversação, o comodismo, o liberalismo... Sempre admirei imenso essa geração que rompeu as convenções da época vitoriana e do século XIX e contribuiram à sua maneira - e não foi pouco - para o modernismo e o liberalismo, sem falsas virtudes nem hipócritas heroísmos ou sacrifícios.


E sinto uma simpatia e ternura especial pela própria Virginia Woolf, mesmo com a sua língua temível e o seu humor sarcástico e implacável, pela sua honestidade e curiosidade intelectuais, pelo seu imenso talento, pela sua escrita poética e tão perfeita, pela sua longa luta com a doença mental e pela derrota final, quando se rendeu ao pavor de enlouquecer. E senti também no livro de Hermione Lee esse amor não condescente mas repassado de respeito e admiração por Virginia Woolf.