domingo, dezembro 23, 2007

sexta-feira, dezembro 21, 2007

The Costs of Living, de Barry Schwartz

Um livro interessante, que gostei de ler, embora em várias passagens me tenha irritado um pouco. A tese central - de que a mentalidade da economia de mercado, o chamado imperialismo económico, está progressivamente a invadir todos os campos da nossa vida e a corrompê-los - é válida, está bem apresentada, e globalmente o autor faz uma descrição muito correcta e perspicaz da nossa sociedade. Chama a atenção para o facto muito importante de que o imperialismo económico não é uma inevitabilidade biológica, e que é o predomínio actual da mentalidade "de mercado" que assim o faz pensar.

Há dois aspectos no livro, no entanto, que me desagradaram. O primeiro é um certo tom... lamentoso, saudosista, que frepassa todo o texto, ou boa parte dele. Logo n início, o autor deplora a sorte de um casal conhecido, de profissionais bem sucedidos economicamente e na sua carreira, mas que no entanto vive infeliz, pressionado pelo esforço de manter uma vida e um "sucesso" a que se sentem social e culturalmente obrigados mas que não os satisfaz nem realiza. E passa daí a expor como a superabundância de escolhas nos torna inseguros e infelizes - contrapondo com antigamente em que a maior parte dos aspectos da nossa vida não precisavam de ser escolhidos pois estavam determinados à partida. Ora esse é um raciocínio falacioso - é verdade que ainda não aprendemos a gerir a multiplicidade de escolhas e decisões que a liberdade actual nos proporciona, mas a resposta é aprender a geri-la e não deixar de a ter. Estou certo de que um casal correspondente de há 30 ou 50 anos tinha outros problemas - a mulher obrigada a estar em casa e dependente economicamente do marido, o homem a seguir a profissão imposta pela tradição familiar, eventualmente a forçar-se a disfarçar uma possível homossexualidade, por exemplo... Pelo menos os problemas do casal da actualidade dependem deles próprios e podem sempre aprender a fazer as escolhas que os farão verdadeiramente felizes e realizados.

O segundo aspecto que me desagradou é o das soluções propostas pelo autor (um problema aliás muito frequente neste tipo de livros - acertam no diagnóstico dos problemas mas apresentam soluções irrealistas e desajustadas; pergunto-me porque insistem em propor soluções?), com um ênfase particular no recurso à religião e à vida "espartilhada" numa comunidade. Discordo absolutamente de que impormo-nos regras ou recorrermos à perda da livre-escolha (seja em coisas tão importantes como a profissão que escolhemos ou tão insignificantes como o que comemos à 6ª feira) seja a solução. O individualismo e a liberdade pessoal são de facto uma conquista e a base da nossa civilização, e não é por acaso que esta, com todos os defeitos que possa ter, é a mais bem sucedida actualmente e a que proporciona maior bem estar (e por favor não me venham com a felicidade dos povos do 3º Mundo ou dos países muçulmanos, basta ver a direcção dos fluxos de emigração).

Qual a solução então? Não sei, e não sei sequer se existe. Pessoalmente, acho que, como bom herdeiro do Iluminismo, a educação, a informação e a cultura são a resposta - quanto mais informadas as pessoas estiverem mais perceberão que a felicidade não está num consumismo selvagem nem na competição a todo o custo. Não acho que sejamos todos basicamente "bons selvagens" nem uns egoístas inveterados como defendem os extremistas do darwinismo social - mesmo porque, sob o ponto de vista evolutivo, a capacidade de cooperação contribuiu tanto como o egoísmo para o sucesso da nossa espécie. Acredito que um maior conhecimento desenvolve também o sentido da importância de uma moral, que não tem de e não deve ser religiosa. Ao fim e ao cabo, a maioria das pessoas é normal, ou seja, razoavelmente decente.

quinta-feira, dezembro 13, 2007

Justinian's Flea, de William Rosen


Um livro muito interessante sobre a pandemia de peste bubónica no século VI, em que o autor defende a tese de que o declínio do império romano do Oriente - e a consequente formação da Europa e ascensão do Islão - foram condicionados em grande parte pela devastação provocada por esta doença. Claro que a pandemia de peste contribuiu para o desenvolvimento dos acontecimentos, dada a sua importância e o facto de qualquer acontecimento dessa magnitude forçosamente influenciar o desenrolar da História. O mais interessante no livro é ser um relato muito bem escrito e empolgante de um período crucial da História, uma época de transição fascinante, cobrindo o final do Império Romano e o século de ouro de Bizâncio, tomando como fio condutor a vida do imperador e com a invulgar perspectiva - para um livro de História - focada numa doença, e com uma mestria descritiva dos assuntos científicos semelhante à dos assuntos históricos, o que é invulgar e para mim constituiu um dos encantos do livro. E é extremamente informativo sobre o período de que trata, sem nunca ser aborrecido. E para quem goste de especular - Histórias virtuais, ou alternativas - é muito interessante imaginar um mundo em que a expansão bizantina sob Justiniano tivesse tido seguimento.

terça-feira, dezembro 11, 2007

O Solar, de William Faulkner

O último livro da trilogia Snopes é o único que tenho em Português e que tinha lido antes, há uns 20 anos, mas é muito melhor lê-lo depois dos outros dois. A história de Flem Snopes e da sua família, inicialmente picaresca e mesquinha, vai crescendo até atingir a grandeza trágica das outras famílias de Yoknapatawpha e, sendo um dos últimos livros de Faulkner, vamos ficando a saber o que aconteceu a várias das personagens de outros livros - os Sartoris, os Compsons, etc. Linda Snopes é das melhores personagens femininas de Faulkner, a par de Rosa Millard ou Jenny Du Pré. Muito, muito bom.

domingo, dezembro 09, 2007

Dois filmes no fim-de-semana

Blood Diamond, de Edward Zwick, é um filme bem intencionado, muito politicamente correcto, e simultaneamente muito hollywoodesco - os bons, os maus, as vítimas, o cínico-que-acaba-bom, convenientemente interpretado por Leonardo DiCaprio. As personagens são todas muito estereotipadas e a intriga abusa de coincidências pouco verosímeis. Mas, além de ser bem conseguido como entretenimento, tem a não pequena virtude de mostrar o problema da violência endémica em África e de como o tráfico pouco escrupuloso - neste caso de diamantes - pelos africanos e europeus contribui para a eternizar. Ou seja, um bom filme para ver neste fim-de-semana em que Lisboa está parcialmente paralisada pela cimeira onde estão tantos dos responsáveis por esta situação e que tão satisfeita deixou o nosso deslumbrado governo.

Penso que foi há uns 7 anos que uma amiga me emprestou Northern Lights, de Philip Pullman, numa altura em que estive de cama doente. Lembro-me de que gostei muito do livro, entrei facilmente e saboreei com delícia o seu universo simultaneamente familiar e fantástico, desde as cenas iniciais em que aparece Lyra com o seu daemon (pobremente traduzido por "demónio" nas legendas do filme), com uma intriga movimentada e cheia de aventuras, com a inquietante vilã Mrs. Coulter e o ambicioso Lord Asriel. Os outros dois livros da trilogia conhecida por His Dark Materials, The Subtle Knife e The Amber Spyglass, não me decepcionaram, a história evolui engenhosamente até ao clímax da épica batalha entre as forças do Bem e do Mal e à separação final dos heróis Lyra e Will.
Foi portanto com natural curiosidade que fui ver o filme The Golden Compass (o título alternativo de Northern Lights). Em geral, é uma boa adaptação do livro, com uim excelente casting de Nicole Kidman e Daniel Craig como Mrs. Coulter e Lord Asriel, e os efeitos especiais a permitir uma transposição bastante fiel do mundo e das criaturas do universo de Pullman. O final foi ligeiramente alterado, e penso que há uma certa superabundância de pormenores que só são bem percebidos por quem conhece o livro. Fico à espera das continuações.

quarta-feira, dezembro 05, 2007

Crónicas Italianas, de Stendhal

Apaixonei-me por A Cartuxa de Parma à primeira leitura, é uma história fantástica e imensamente bem escrita, com personagens humanas nas suas contradições, fraquezas e amoralidades, sobretudo a famosa Sanseverina. O Vermelho e o Negro decepcionou-me, por mais convencional e novelesco. Nas Crónicas Italianas reencontrei o encanto de Stendhal - histórias rocambolescas, por vezes francamente escabrosas, com personagens que cativam porque não são boas nem más, e longe dos enredos tradicionais e moralistas dos romances do século XIX. Não admira que Stendhal fosse tão admirado pelos modernistas, estava bem adiantado para a sua época. Um livro divertido e saboroso.

Quebrar a rotina


Como é bom afastarmo-nos por uns dias da rotina, sobretudo em boa companhia e para um sítio sempre tão fascinante como Londres! Sempre gostei imenso desta cidade, do seu ambiente cosmopolita, da animação, das imensas livrarias e discotecas, das exposições e museus, dos mercados, etc. Já não ia lá há mais de 10 anos, e foi um prazer reconhecer os locais, passear pelo Southbank renovado, pelo Camden Market, Bloomsbury e o Soho. Até o tempo ajudou - sol em Novembro, frio tolerável e pouca chuva. Decididamente, a vida sabe bem enquanto se pode viajar e se tem bons amigos com quem o fazer.

terça-feira, novembro 20, 2007

Happiness in D(N)umbness


I'm not like them
But I can pretend
The sun is gone
But I have a light
The day is done
But I'm having fun
I think I'm dumb
or maybe just happy
Think I'm just happy

My heart is broke
But I have some glue
help me inhale
And mend it with you
We'll float around
And hang out on clouds
Then we'll come down
And I have a hangover...Have a hangover

Skin the sun
Fall asleep
Wish away
The soul is cheap
Lesson learned
Wish me luck
Soothe the burn
Wake me up

Kurt Cobain

quinta-feira, novembro 01, 2007

A Argonáutica, de Apolónio de Rodes

É uma pena que a Argonáutica ainda não tenha sido traduzida com a qualidade das traduções de Frederico Lourenço da Ilíada e da Odisseia. Li a versão publicada na Europa-América, que além de ser uma tradução sem grande qualidade literária está pessimamente revista, cheia de gralhas. Mas a história é fabulosa, com os heróis da geração anterior à Guerra de Tróia (muitos são os pais das personagens da Ilíada), uma viagem repleta de aventuras e episódios memoráveis, como os da ilha de Lemnos, de Fineu e as Harpias, do desespero de Héracles pela perda do seu rapaz, do deserto da Líbia, das várias intervenções dos deuses, e com a extraordinariamente vívida figura de Medeia, cujo realismo ofusca todos os outros intervenientes - tornada ainda mais fascinante porque sabemos o que lhe sucedeu depois, a história de Pélias e o abandono por Jasão. Enfim, talvez alguém pegue nesta obra e seja traduzida como merece, quem sabe o próprio Frederico Lourenço, ou outro, pois certamente há outros tradutores de grego de qualidade.

Dr. Mabuse

Vi recentemente Dr. Mabuse der Spieler e Das Testament des Dr. Mabuse - ambos muito bons, com excelente ambiente e um vilão maquiavélico e inquietante. Depois de ver Spione e M, além do magnífico Metropolis, vou admirando cada vez mais a genialidade de Fritz Lang - de facto, os seus filmes eram verdadeiramente vanguardistas, tanto nos temas como na realização; de certa forma a maior parte dos grandes géneros do cinema das décadas seguintes já lá estavam, e consegue o feito não desprezível de ser ver com agrado e empolgamento 80 anos depois. E demonstra como para se ser um génio do cinema não é necessário ser chato.

Prospero's Cell, de Lawrence Durrell

Depois de The Corfu Trilogy, li a evocação de Corfu pelo Durrell "original", o escritor, que figura de forma caricata no livro de Gerald. Apesar de um estilo completamente diferente, a nostalgia e o afecto pela ilha são muito semelhantes. Durrell escreve sempre bem, sabe ser poético e irónico, e transmite sempre um entusiasmo pela vida que é uma das características da sua escrita que sempre mais me atraiu. Gostei mais de Bitter Lemons of Cyprus, sobre outra ilha e outro tempo, menos inocente e idílico, mas que me tocou mais, mas apreciei bastante Prospero's Cell - e já tenho outro livrinho de Lawrence Durrell sobre as ilhas gregas na calha.

London Calling


Que bem me sabe ouvir London Calling, dos Clash, que comprei há dias na Fnac, aproveitando estar em nice price (tal como mais alguns cds). Sobretudo porque a energia que transmitem se veio somar à do projecto de voltar em breve a Londres; e como só a ideia de quebrar a rotina - que tem sido verdadeiramente pesada - é revigorante! Sim, London Calling, literalmente!

quarta-feira, outubro 17, 2007

Parallel Lines, dos Blondie


Ouvi este disco vezes sem conta na minha adolescência, depois foi uma das vítimas do fim do vinil. Há uns tempos que andava com vontade de o ouvir de novo, inutilmente o tenho procurado na Fnac; ontem um chat buddy enviou-mo no msn, e que delícia ouvir novamente a voz de Debbie Harry em temas como Sunday Girl, Just Go Away, 11:59, One Way or Another, etc, tão bons como há 20 anos! É incrível como as letras me vieram imediatamente à memória. Tenho estado a ouvi-lo (em repeat, como no programa da Radar) desde ontem.

E como brinde, ainda recebi uma série de músicas de bandas da época que não conhecia, como Cranes, Revillos e Passions, e de outras que não ouvia há séculos, como Shakespeare's Sister, Eurythmics, Tourists. Alegrias da internet!

Black Coffee Blues, de Henry Rollins

Nunca tinha ouvido falar de Henry Rollins até um amigo me emprestar este livro; trata-se de um artista punk americano multifacetado - cantor rock, poeta, performer, escritor. O livro tem vários textos interessantes, por vezes Rollins consegue ser forte e intenso num estilo de desespero e existencialismo americanos que evoca influências de Jim Morrison (frequentes) a Raymond Carver (nas melhores partes). Achei no entanto em geral o livro de um homem imaturo e auto-centrado, que poderia ser escrito por um adolescente em crise de crescimento em fase de desencanto com o mundo
à procura de si próprio - todo aquele gloom angustiado e desesperançado dá vontade de dizer: "Snap out of it!", "Grow up!". (Como tinha 30 anos quando escreveu Black Coffee Blues, talvez tenha crescido e não tenha cedido à tentação de se fixar numa pose que lhe deu notoriedade:)

Mas é certo que tem bons momentos, curtos textos que nos tocam e impressionam, e os textos finais, como Exhaustion Blues, Monster (uma vívida e realista evocação da depressão) e I Know You, são muito bons.

I know you
You were too short
You had bad skin
You couldn't talk to them very well
Words didn't seem to work
They lied when they came out of your mouth
You tried so hard to understand them
You wanted to be part of what was happening
You saw them having fun
Seemed like such a mystery
Almost magic
Made you think that there was something wrong with you
You would look in the mirror trying to find it
You thought that you were ugly
And that everybody was looking at you
So you learned to be invisible
To look down
To avoid conversation
[...]
You had to be strong tokeep yourself alive
You know yourself very well now
You don't trust people
You know them too well
You try to find a special person
Someone you can be with
Someone you can touch
Someone you can talk to
Someone you won't feel so strange around
You found that they don't really exist
You feel closer to people on movie screens
Yeah, I think I know you
You spend a lot of time daydreaming
People have made comment to that effect
Telling you that you're self involved and self centered
But they don't know, do they
About the long night shifts alone
About the years of keeping yourself company
All the nights you wrapped your arms around yourself
So you could imagine someone holding you
[...]
For you life is a long trip
Terrifying and wonderful
Birds sing to you at night
The rain and the sun
The changing seasons are true friends
Solitude is a hard won ally
Faithful and patient
Yes I think I know you


sábado, outubro 13, 2007

Take me out of here...


Take me out tonight
Where there's music and there's people
Who are young and alive
Driving in your car
I never never want to go home
Because I haven't got one anymore

Take me out tonight
Because I want to see people
And I want to see life
Driving in your car
Oh please don't drop me home
Because it's not my home, it's their home
And I'm welcome no more

in Smiths - There is a Light That Never Goes Out

domingo, outubro 07, 2007

The Tipping Point, de Malcolm Gladwell

É um livro bastante interessante, mais pelo tratamento dos exemplos que apresenta do que pela teoria subjacente. Aliás, como muitos dos livros que expoem e defendem uma teoria, este também sofre do defeito de querer encaixar tudo nessa teoria, acabando por apresentar algumas ideias pouco convincentes e forçadas. Mas globalmente é engraçado, dá algumas ideias perspicazes sobre o tema das modas (fads é o termo em inglês mais adequado, mas que não sei traduzir bem), levando-nos a apercebermo-nos de certos pormenores e tendências que geralmente não notamos e como tal ajuda a compreender o mundo em que vivemos, mesmo que muitas vezes, como diz a crítica do New York Times, que achei muito boa, se limite a ser "common sense dressed up as science".

Religião nos hospitais

Ultimamente tem-se falado muito da assistência religiosa nos hospitais, e hoje saiu uma extensa peça sobre o assunto no Público. Uma vez que também eu trabalho num hospital, tive vontade de acrescentar a minha opinião, embora geralmente evite falar das questões de que toda a gente fala ao mesmo tempo - sempre me irritaram estas ondas passageiras desencadeadas por uma ou duas pedradas, em que as pessoas do costume dão as opiniões que delas se espera e depois fica tudo mais ou menos na mesma. Desta vez, o que me levou a manifestar-me é a imensa hipocrisia que rodeia a questão. É ver "autoridades" do campo da Igreja, da Medicina, do Governo, etc, a falarem da enorme importância do apoio espiritual aos doentes e do papel das confissões religiosas.

Ora a minha experiência pessoal, que já vai em quase 20 anos, passnado por vários dos principais hospitais da Grande Lisboa, tem-me mostrado uma realidade bem diferente. Em todos estes anos de prática clínica, que incluiu a assistência a centenas de doentes crónicos, na maioria idosos, e infelizmente dezenas de moribundos, não me lembro de uma única vez (uma única) em que algum deles manifestasse o desejo de assistência espiritual ou conforto religioso. Os únicos casos em que contactei com membros de alguma confissão religiosa a aparecerem foram as Testemunhas de Jeová, por diversas vezes, mas sempre nao solicitados (excepto num caso, em que foram chamados pela mãe de um doente menor), e sempre para lembrar que os doentes em causa não podiam receber transfusões de sangue e não para lhes prestar apoio espiritual. Nos meus primeiros anos de prática ainda vi por vezes os capelães de dois hospitais passarem pela enfermaria perguntando aos enfermeiros-chefes se alguém precisava deles, mas foi tudo.

Isto não quer obviamente dizer que os doentes hospitalizados se sintam felizes e confiantes, muito pelo contrário. Mas o que eles pedem é a presença e companhia das famílias e dos amigos, muito limitadas pelas escassas horas de visita, e atenção do pessoal de saúde. Nos serviços em que trabalho actualmente há o cuidado de facilitar ao máximo o acesso aos familiares, sobretudo dos doentes mais graves e moribundos, nomeadamente tentando que não morram abandonados. Penso que seria muito mais importante e útil para os doentes, e isso seria ir verdadeiramente ao encontro das suas necessidades e desejos, investir nesse aspecto, em vez de pagar a capelães católicos ou de outra confissão, o que acho completamente errado. Obviamente, se alguém mostrar vontade de receber apoio espitual / religioso, seja qual for a confissão, deve-lhe ser facultado o acesso do ministro da religião correspondente, mas o pagamento deste e a organização desse apoio deve ser da exclusiva responsabilidade da igreja em causa. O papel do hospital deve ser apenas o de permitir e facilitar o acesso, uma vez que se o doente exprime essa necessidade a sua satisfação é seguramente importante para ele. Mas uma vez mais afirmo que seria muito mais importante facilitar e alargar o tempo de acesso às famílias - só que essas não têm bispos nem fazem notícia.

Planet Terror, de Robert Rodriguez

Depois do excelente Death Proof, vi agora Planet Terror, o outro filme da dupla Grindhouse, e excedeu as minhas expectativas. Se Death Proof era irónico e divertido, cheio de diálogos engenhosos, este é o verdadeiro pulp trash, tão excessivo que é hilariante do princípio ao fim. Começa logo com um trailer impagável, e depois está lá tudo, servido por um argumento arrevezado repleto de complicadas armas biológicas/químicas (com um palavreado científico completamente disparatado), e uma verdadeira orgia de zombies vorazes, boazonas em perigo com grandes planos gratuitos de seios opulentos e pernas voluptuosas, tarados sangrentos, sangue literalmente às litradas, e até o assassino do Bin Laden. O filme é de facto muito divertido, extremamente bem feito, entretenimento puro e de boa qualidade. Uma delícia.

sábado, outubro 06, 2007

Proibição de fumar nos hospitais

Disseram-me que vem aí a proibição definitiva de fumar em hospitais, centros de saúde e outros estabelecimentos relacionados (mais uma vez, porque suponho que já é proibido), desta vez com multas e controlo a sério. Já prevejo o habitual coro indignado, mas só posso aplaudir a decisão. De facto, os argumentos utilizados contra estas medidas são patéticos - a dependência, a privação, etc. Trata-se pura e simplesmente de uma questão de hábito. Ninguém morre nem tem síndrome de privação por não poder fumar umas horas - neste caso as horas de trabalho. Aliás, nunca vi nem vi descrita nenhuma morte por privação de nicotina! Também houve queixas por não se poder fumar nos aviões (tantas horas, nas viagens longas!), e as pessoas habituaram-se. E mesmo para quem se sinta desconfortável por não poder consumir a sua nicotina (o que só acontece aos fumadores mesmo maciços) por esse tempo pode sempre utilizar um patch cutâneo. Quanto a mim, estas medidas só pecam por tardias. (E eu não sou nada apologista da cruzada contra o tabaco, a começar porque eu próprio sou fumador, mas acho que é simplesmente uma questão de bom senso.)

Prémios Ig Nobel


Já foram atribuídos os prémios IgNobel deste ano... É sempre divertido e instrutivo ver os trabalhos vencedores! Por ser da minha área, destaco o da Medicina, sobre os efeitos laterais de engolir espadas, mas gostei também particularmente do da Paz, com a "bomba gay" - uma combinação de químicos que faria os soldados desatarem aos beijos em vez de lutar... Fica o link: http://www.improb.com/ig/ig-pastwinners.html.

domingo, setembro 30, 2007

The Corfu Trilogy, de Gerald Durrell


The Corfu Trilogy inclui três livros: My Family And Other Animals (o mais famoso e sem dúvida o melhor), Birds, Beasts and Relatives e The Garden of the Gods, em que Gerald Durrell conta a sua infância encantada em Corfu nos anos 30. O meu desejo de o ler tinha a ver com o facto de Gerald ser irmão de um dos meus escritores favoritos, Lawrence Durrell, que é um dos retratados no livro, aliás de forma muito irónica e afectuosa, como os outros membros da família. Mas os livros valem por si, são uma evocação terna do tempo mágico de uma infância vivida num lugar e tempo privilegiados, com episódios narrados com um humor irónico, elegante e divertido (muito na linha do humor de Lawrence, que tem alguns livros cómicos que são muito divertidos: Stiff Upper Lip, Esprit de Corps e Sauve Qui Peut). Enfim, um livro que se saboreia e nos faz ficar bem dispostos, e que me dá imensa vontade de voltar à Grécia.

The Town, de William Faulkner

O segundo romance da trilogia Snopes é um pouco mais negro que o primeiro (The Hamlet); narra a ascensão social e a conquista de Jefferson por Flem Snopes, que no processo vai snopesianamente eliminando os outros membros, incómodos, da família. Os Snopes são uma espécie de erva-daninha indestrutível, que desponta em qualquer interstício e cresce aproveitando tudo, seja as fraquezas dos outros ou as suas próprias. Faulkner mostra um certo respeito por este género de gente, mas também despreza - a saga dos Snopes nunca é uma tragédia grandiosa como por exemplo as dos Sutpen ou dos Compson, a sua história é contada num tom ora melancólico ora irónico, e Faulkner sabe muito bem combinar estes dois registos, o humor e o drama, numa escrita sempre soberba. Eula Varner, a sua Helena de Tróia, é uma personagem quanto a mim muito menos bem conseguida que as dos Snopes (excelentes, todos) ou as dos Stevens.

sábado, setembro 29, 2007

Melancholia

Banquo - It will be rain tonight.
First Murderer - Let it come down.

William Shakespeare, Macbeth

Não sei se é da chuva, do princípio do Outono, de ouvir Nina Simone cantar Little Girl Blue... Sinto-me melancólico.

domingo, setembro 23, 2007

Mémoires de Saint-Simon

Há uns três anos, penso que durante a minha última estadia em Paris, comprei um volume com excertos das famosas Mémoires de Saint-Simon; já as vira citadas tantas vezes que há muito tinha curiosidade de as ler. Gostei imenso; sempre gostei particularmente de ler memórias e biografias, e gosto de História e do período da França do Grand Siècle; além de ser uma imensa fonte de informação sobre a vida quotidiana na Corte, os retratos de Saint-Simon são perspicazes e implacáveis, e a escrita é num francês saboroso e elegante, muito superior, por exemplo, ao de Mademoiselle de Montpensier nas suas Mémoires. Há uns meses, descobri um site com a transcrição integral das Memórias de Saint-Simon, e tenho estado a lê-las lentamente, divertindo-me com os intermináveis mexericos e intrigas da Corte de Luís XIV. Como a obra é enorme, não vou esperar por terminá-la para falar dela, pois poderá ser dentro de muito tempo. Os retratos são particularmente fascinantes, sobretudo os das personalidades importantes - começam geralmente com elogios rasgados e acaba pelas críticas mais ferozes e contundentes. Também é muito interessante ver os moeurs da época, em relação à vida quotidiana - higiene, divertimentos, sexo, etc. Apercebemo-nos também do triste estado a que a nobreza fora reduzida pelos reinados de Luís XIII e Luís XIV - um punhado de tontos dependentes do rei e lutando por cargos honoríficos e pensões, disputando lugares de chefes de guarda-roupa como se fossem de primeiro-ministro. Não admira que tenha acontecido a vassourada da Revolução.

sábado, setembro 22, 2007

Desejo de Papel, de John Buchan

Este livro, em que o dinheiro é tratado como a encarnação do desejo humano - representando a satisfação potencial dos desejos humanos e acabando por se transformar ele próprio no principal objecto do desjo - é bastante interessante, sobretudo por uma série de informação que veicula sobre a história do dinheiro. A escrita é um tanto entediante, e muitas das ideias do autor parecem-me um tanto rebuscadas e expostas de forma complicada. Mas aprendi várias coisas que desconhecia sobre a história do dinheiro, e tem muitas passagens interessantes. Fez-me reflectir na minha própria relação com o dinheiro, que tanto mudou ao longo dos anos - de franca avareza na adolescência até uma atitude bastante desprendida actualmente. É útil ter dinheiro, mas uma vez assegurado um nível de conforto razoável, a sua importância diminui consideravelmente.

domingo, setembro 16, 2007

Liliom, de Fritz Lang

Mais um filme de Fritz Lang na Cinemateca, o único falado em francês. É uma comédia leve e divertida, com vários momentos hilariantes e, como sempre em Lang, uma realização cuidada com planos excelentes. A história em si é um pouco pobre, com um final moralizador muito tonto - e muito datado.

Fábrica do Braço de Prata

Estive ontem à noite neste espaço que abriu há alguns meses, iniciativa das livrarias Eterno Retorno e Ler Devagar. É uma excelente ideia, de que Lisboa está muito necessitada: um espaço agradável, amplo, onde se pode ler, beber um copo, conversar, ver um filme, exposições, concertos, debates. Ontem estava a decorrer uma sessão de jazz um bocado cacofónico para o meu gosto, mas o edifício é tão grande que se podia estar noutras salas sem ouvir a música, e ainda assisti a parte do documentário I'm Your Man sobre Leonard Cohen. A frequência abundava numa certa fauna de sobreviventes da geração francófila de 60 e seus seguidores, com os quais me identifico muito pouco. No entanto, mesmo se muita da cultura produzida naquela época está datada e quanto a mim ficou sensatamente para trás, e se a pose dos seus adeptos me irritou
um pouco no passado (pois agora acho-a apenas um tanto ou quanto patética), muito do que sobrou, devidamente metabolizado pelo tempo, é válido, sobretudo esta atitude de prazer no saborear da cultura - música, literatura, cinema. É decididamente um sítio a visitar e a frequentar. E soube-me bem ouvir a música do Leonard Cohen, mesmo se interpretada pelo algo lamechas Rufus Wainwright.

domingo, setembro 09, 2007

Spione, de Fritz Lang


Apesar de datar de 1928, este filme vê-se com o mesmo agrado que se tivesse sido produzido agora, mesmo sendo mudo e durando mais de 3 horas. É um excelente filme de acção, muito bem realizado, com uma série de sequências que certamente influenciaram os filmes de Alfred Hitchcock. Mais uma vez constato a actualidade dos clássicos do cinema mudo e de Fritz Lang (de quem um outro filme mudo, mais antigo, Die Spinnen, vi com igual praze, um verdadeiro antepassado dos filmes de Indiana Jones). É curioso como nos bons filmes mudos não se sente a falta dos diálogos, engenhosamente substituídos pelas imagens e pela mímica exagerada dos actores, que tem precisamente essa função.

Lamento, no entanto, que a Cinemateca tenha deixado de passar acompanhamento musical, que fazia parte dos filmes mudos originalmente. O primeiro filme mudo que lá vi, há cerca de 2 anos, Greed, de Von Stroheim, era acompanhado ao piano, ao vivo, mas decerto seria mais barato e comportável uma banda sonora gravada, como no caso de Sunrise, de Murnau, que vi no Nimas, ou de vários que vi em dvd. Senti especialmente a falta da música em Nosferatu, de Murnau, por exemplo. Mas de qualquer forma é uma sorte conseguir ver estes velhos clássicos que tanto acrescentam ao conhecimento e apreciação do bom cinema.

sábado, setembro 08, 2007

O Véu Pintado, de John Curran


The Painted Veil é um bom melodrama, muito bonito, com excelente fotografia numa paisagem muito bela, boas interpretações dos sempre bons Edward Norton e Naomi Watts, que recriam de forma convincente a relação entre as suas personagens, e um ambiente melancólico ao som do piano de Erik Satie. Li o romance de Somerset Maugham há muitos anos, e não me lembrava nada da história, apenas me tinha ficado o título e um poema de Dante na introdução, cuja sonoridade musical nunca esqueci, e que reproduzo:

Deh, quando tu sarai tornato al mondo,
E riposato della lunga via,
Seguitò il terzo spirito al secondo,
Ricorditi di me, che son la Pia!
Siena mi fè; disfecemi Maremma:
Salsi colui che innnanellata pria
Disposando m'avea com la sua gemma.


(Disse a terceira sombra à segunda: - Por quem és, quando ao Mundo regressares, já da longa jornada repousado, lembra-te de mim, a quem chamaram Pia; Siena me fez, Maremma me desfez: bem o sabe aquele de quem, esposa prometida, a jóia nupcial me cingiu o dedo.)

sexta-feira, setembro 07, 2007

Detour, de Edgra J. Ulmer

Detour, de 1945, é um film noir perfeito - um homem duro e sensível perseguido pelo destino, uma pérfida mulher fatal má como as cobras, diálogos incisivos, um ambiente sombrio filmado a preto e branco. E um bom exemplo (como aliás há muitos) de como se consegue fazer um bom filme com recursos escassos. Um bom recomeço para mim da temporada da Cinemateca!

quarta-feira, setembro 05, 2007

Odisseia, de Homero

Depois da Ilíada li a tradução de Frederico Lourenço da Odisseia. Foi igualmente um imenso prazer, embora Homero e gerações de literatos que me perdoem mas preferiria que o poema se alongasse mais na viagem e menos na parte passada em Ítaca até à matança dos pretendentes. Mais uma vez achei a tradução saborosa e empolgante (embora goste mais da expressão "Aqueus de belas cnémides" usada na Ilíada do que das "belas joelheiras", mas é um pequeno pormenor). Mas não vou tecer comentários eruditos que seriam despropositados e pretensiosos, apenas digo que o prazer da sua leitura no século XXI dc confirma a imortalidade da obra.