sexta-feira, dezembro 29, 2006

Diálogos de Vanguarda - a exposição de Amadeo Souza-Cardoso

Gostei imenso da excelente exposição de Amadeo Souza-Cardoso na Gulbenkian. É sem dúvida das melhores exposições que vejo em Portugal em muitos anos - uma boa quantidade de obras, com boa representação de todas as fases do pintor, bem apresentadas, e com o cuidado de as integrar no contexto de obras que o influenciaram e de trabalhos dos seus contemporâneos. Acho sempre muito interessantes estas retrospectivas de um artista - mais ainda quando se trata de alguém que eu aprecie particularmente, como é o caso, pois considero Amadeo Souza-Cardoso dos melhores pintores portugueses de sempre (juntamente com Vieira da Silva e Almada Negreiros), e pertence à época que acho culturalmente das mais interessantes de todos os tempos (o início do Modernismo, a fase revolucionária das primeiras 2 décadas do século XX). Permitem-nos acompanhar a sua evolução, testemunhar as experiências realizadas, particularmente nas várias versões com que um tema é tratado, as suas influências, etc.

O conjunto das obras expostas é soberbo, muito completo. Gosto principalmente das do ano de 1913, quando Amadeo começa a abandonar o desenho mais realista e convencional mas ainda não mergulhou no abstracto da sua última fase, quando as formas se estilizam e decompoem, como vitrais - as minhas telas favoritas são Barcos e Les Cavaliers, que me apaixonaram desde a primeira vez que as vi, já há muitos anos, por alturas da abertura do Centro de Arte Moderna.
Gostei também muito da colecção de desenhos, que não conhecia, e que inclui um magnífico D. Quixote e o moinho, e em geral das figuras de cavalos e galgos, simultaneamente elegantes, fortes e sensuais. As obras de Modigliani expostas são muito belas, sobretudo uma figura de nu em fundo azul e uma cabeça de pedra, que parece uma divindade tutelar poderosa e enigmática. As esculturas de Brancusi, os quadros de Kokoshka, as máscaras africanas, os desenhos de cavalos japoneses, ajudam a compreender a arte e as experiências de Souza-Cardoso. Ver a colecção de livros de arte do pintor lembra-nos que é recente a facilidade de acesso a reproduções fidedignas de arte; naquela época, as fotografias de quadros eram a preto e branco e pouco nítidas; que revelação e experiência fantástica devia ser então a descoberta das obras num museu! Mesmo agora, é diferente ver as obras ou as suas reproduções, mas nada que se compare a esse tempo, em que era necessário ir ao Louvre para descobrir Rubens, a Florença para Botticelli, a Paris e Nova Iorque para os impresionistas, etc... Assim se compreende o impacto que tiveram acontecimentos como as exposições pós-impressionistas em Londres organizadas por Roger Fry, ou os ballets russes de Diaghilev (aliás, também evocados nesta exposição, com os desenhos de figurinos).

O principal defeito da exposição, a meu ver, é a iluminação - pareceu-me em muitas partes mal iluminada, gostaria de ver os quadros inundados de luz e não numa penumbra algo soturna... Mas no geral acho que a exposição está muito boa, e não resisti a comprar o catálogo, que por sinal é caríssimo, mas enfim, não é todos os dias que há uma retrospectiva desta qualidade de Amadeo de Souza-Cardoso.


Nota: como é habitual, vagueando pela net a propósito deste tema, dei com este blog - http://pinturaportuguesa.blogs.sapo.pt/ - que tem uma selecção notável de obras de pintura portuguesa, como o nome indica. Vale a pena ver.

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